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Muito além do “lookinho”: Sebrae leva biodiversidade às passarelas do SPFW

Em cooperação com pequenas empresas de Santarém (PA), o estilista Leandro Castro apresenta a coleção Gaiafilia no São Paulo Fashion Week
Por Nara Neri
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As passarelas do São Paulo Fashion Week receberam, na quinta-feira (16), um desfile que conecta a criação contemporânea à floresta amazônica. A coleção Gaiafilia, do estilista Leandro Castro, foi construída em parceria com empreendedores de Santarém (PA), que, pela primeira vez, também exibem seus produtos no estande do Sebrae no evento. O projeto é resultado de uma imersão realizada por Leandro no Bioma Amazônico, iniciativa do Sebrae Nacional coordenada por Walter Rodrigues, da Assintecal, que há anos atua para traduzir as identidades visuais e materiais de diferentes territórios brasileiros em coleções e produtos. Foi nessa visita que o estilista conheceu o trabalho de marcas como Nunghara Biojoias, Coomflona, Cuias Aíra, Biojoias Natureza Viva e Trançados do Arapiuns, todas agora representadas na 60ª edição do SPFW, que prossegue até o próximo dia 20 de outubro.

O estilista Leandro Castro apresentou a coleção Gaiafilia, no SPFW, que contou com colaboração de empreendedores paraenses apoiados pelo Sebrae | Fotos: Tulio Vidal

“A moda como arte tira da terra o que ainda não foi visibilizado”, diz Leandro. “Trabalhar com as comunidades me ensinou o tempo das mãos. Às vezes o material só existe quando a natureza pode oferecer. Não é o tempo que eu quero, é o tempo dela.” O estilista lembra que também já teve assessoria do Sebrae. “Sei o quanto a metodologia, as ferramentas e as conexões que ele (o Sebrae) oferece fortalecem o trabalho criativo e produtivo. O que vi lá em Santarém foram empreendedores muito bem preparados para essa troca.”

“A Amazônia também faz design”, afirma Natashia Santana (de preto), com modelos usando as peças da Nunghara Biojoias

Em Gaiafilia, um neologismo que significa “amor à terra”, o estilista apresenta 30 looks agênero, feitos com palhas da comunidade Coroca, cuias da Aíra, madeiras de manejo florestal, acessórios de sementes e látex amazônico (produzido a partir da seiva da seringueira), que traduzem a floresta em forma, textura e cor. Após o desfile, as peças seguiram para exposição no estande do Sebrae, onde permanecem até o fim do evento.

“A gente sonha em mostrar que a Amazônia também faz design”, conta Natashia Santana, fundadora da Nunghara Biojoias. “A Nunghara só está aqui por causa do Sebrae, que nos apoia desde o início, com mentorias, incubação e o Bolsa Empreendedor. As peças que fizemos com o Leandro foram tecidas com a semente da saboneteira de macaco, que lembra uma pérola negra, e pesam mais de 12 quilos. São roupas inteiras feitas só de semente.”

Natashia ainda se emociona ao lembrar do momento em que viu o trabalho da marca na passarela. “Foi um momento muito especial. Ver o trabalho da Nunghara na passarela do São Paulo Fashion Week é algo que ainda estou assimilando. É como ver a floresta ganhar forma, brilho e reconhecimento. Cada semente que estava ali carrega a nossa história, de pessoas que vivem no coração da Amazônia, das mulheres que coletam, das mãos que tecem e de uma Amazônia que cria com propósito. Ver nosso trabalho naquele palco é mais do que moda, é mostrar que o Oeste do Pará também produz design, inovação e beleza com alma. E nada disso seria possível sem o Sebrae, que nos conectou, preparou e abriu caminhos para que chegássemos até aqui. Essa oportunidade representa ver o nosso território, as nossas mulheres e a nossa floresta ocupando um novo espaço no mapa da moda brasileira.”

“Ver nossa matéria-prima sendo utilizada nas confecções do Leandro foi algo maravilhoso”, diz Arimar Rodrigues, da Coomflona

Na Coomflona (Cooperativa Mista da Flona Tapajós), o manejo florestal é a base de um trabalho que alia conservação e inovação. “Produzimos mantas de látex, o nosso couro ecológico, e também peças de movelaria usadas na coleção”, explica Arimar Feitosa Rodrigues, coordenador da cooperativa. “A parceria com o Sebrae vem de longa data e agora se fortalece. É um casamento que gera aprendizado e novos produtos.” Entre eles, está a cadeira Boto, desenhada por Walter Rodrigues e produzida pela cooperativa, que chama atenção no estande da instituição pela combinação de design contemporâneo e matéria-prima genuinamente amazônica.

“Ver os nossos produtos, nossa matéria-prima sendo utilizada nas confecções do Leandro foi algo maravilhoso e causa uma boa expectativa para todos nós que moramos e vivemos da floresta. Fiquei muito emocionado porque vendo a luta que a gente passa e aí ver as pessoas falando com a gente, aplaudindo, pedindo foto, essa coisa toda é muito importante para o nosso trabalho e para a nossa vida. Estou muito feliz, muito obrigado!”, acrescenta Arimar.

Já Nilena Guimarães, da Associação Trançados do Arapiuns, fala sobre a emoção de representar mais de duzentas artesãs na SPFW. “Nós trabalhamos com a fibra do tucumã, que trouxemos pro Leandro no tom natural e no tom de jenipapo. O Leandro usou do jeito dele, a gente nem sabia como ia ficar — foi surpresa! Foi uma sensação única, me emocionei. Ver o nosso produto valorizado e colocado dentro de uma passarela reconhecida mundialmente foi maravilhoso. Acredito que daqui pra frente vão surgir novas oportunidades; a gente vai crescer e levar esse aprendizado adiante. Só tenho a agradecer ao Sebrae pela oportunidade.”

“Nós trabalhamos com a fibra do tucumã. O Leandro usou do jeito dele, a gente nem sabia como ia ficar. Foi uma sensação única”, diz Nilena Guimarães, da Associação Trançados do Arapiuns

Para Walter Rodrigues, a coleção e o estande do Sebrae na SPFW são o resultado visível de um processo iniciado em 2016. “O projeto Iconografia Local une cultura e produção. No Pará, trabalhamos com 19 empreendimentos, conectando comunidades que antes nem se conheciam para desenvolver produtos com valor e não preço apenas”, explica. “Na Amazônia, não falamos de desenvolvimento sustentável, e sim de envolvimento sustentável, que é aprender com quem cuida da floresta há séculos e construir juntos algo contemporâneo.”

O projeto culmina na entrega do livro Bioma Amazônico, que será lançado em novembro durante a COP30, em Belém. “Tudo o que está aqui — as roupas, as joias, os móveis — mostra que sustentabilidade é prática, não discurso”, resume Walter. O Gaiafilia de Leandro Castro transformou a passarela em território de troca e oportunidade, mostrando que moda vai muito além de looks e carão.

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