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Pequenos produtores unem qualidade e tradição na produção de cachaça de alambique

Dia Nacional da Cachaça é celebrado no próximo sábado, dia 13 de setembro
Por Cibele Maciel
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Bebida tipicamente brasileira, a cachaça é um dos símbolos nacionais que carregam a tradição de pequenos produtores, por sua fabricação única em alambiques espalhados pelo Brasil. No próximo sábado (13) é comemorado o Dia Nacional dessa bebida, que tem conquistado novos mercados, inclusive no exterior, e reformulado seu conceito junto aos consumidores.

A analista da Unidade de Competitividade do Sebrae Nacional, Carmen Sousa, considera que os pequenos produtores de cachaça de alambique são guardiões de uma rica tradição cultural que merece reconhecimento. Ela ressalta que a bebida é um produto de alto valor agregado.

“A produção é marcada por uma forte ligação com a história, pela sucessão familiar e pela preservação de técnicas tradicionais. Esses elementos são fundamentais para conferir ao produto um diferencial competitivo no mercado”, afirma.

Além disso, movimenta a economia local, contribui para a permanência das famílias no campo e fomenta o turismo de experiências.

Carmen Sousa, analista da Unidade de Competitividade do Sebrae

De acordo com o Anuário da Cachaça 2025 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o Brasil chegou a 1.266 cachaçarias em 2024 – alta de 4% em relação a 2023. É o 3º ano consecutivo que o número apresenta crescimento. O estado de Minas Gerais lidera o ranking com o maior número de estabelecimentos de cachaça no país (501), o que representa 39,6% do total.

Em relação aos produtos registrados no ano passado, houve um crescimento de 20,4% do número de cachaças em comparação com o ano anterior, o que representa um aumento de 1.225 registros, alcançando o total de 7.223 produtos.

Sérgio Maciel acredita no crescimento do consumo de cachaça de alta qualidade | Foto: Divulgação

O presidente da Associação Nacional da Cachaça de Alambique (Anpaq), Sérgio Maciel, entrou no mundo da cachaça há 50 anos quando seu pai já produzia a bebida no interior mineiro. Ele acredita que a maioria da população ainda não conhece a cachaça brasileira e boa parte do mercado externo não sabe do potencial da bebida.

“Estou falando da cachaça de alta qualidade que não vai te dar dor de cabeça. É produzida exclusivamente em alambique de cobre com fermentação natural da levedura da própria cana de açúcar. É o destilado com maior sustentabilidade do mundo, desde a muda até o envasamento, com reaproveitamento do bagaço, do vinhoto e da água”, destaca.

Em maio deste ano, a Anpaq, em parceria com o Instituto Brasileiro de Integração: Cultura, Turismo e Cidadania (IBI), lançou um manifesto nacional pelo reconhecimento do método de produção da cachaça de alambique como Patrimônio Histórico, Cultural e Imaterial do Brasil.

A Portaria 539/2022 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) definiu os padrões de identidade e qualidade da cachaça produzida no país. A nomenclatura artesanal não existe mais, passando a existir apenas cachaça de alambique ou cachaça – quando produzida por qualquer outro método de destilação.

Cachaça Sanhaçu foi eleita a melhor do Brasil | Foto: Max Barreto 

Sustentabilidade aliada ao turismo

Em Chã Grande, região serrana de Pernambuco, a cachaçaria Sanhaçu é produtora de cachaça orgânica há 18 anos e reconhecida como um empreendimento sustentável. Ano passado, a Sanhaçu Soleira, um dos oito produtos da marca, foi eleita pela Cúpula da Cachaça, grupo de especialistas da bebida, a melhor cachaça do Brasil.

Além de produzir cachaça, o alambique investe no turismo pedagógico. Também produzem produtos derivados da cana de açúcar, como açúcar mascavo, rapadura e mel de engenho. “Parece algo impensável falar de uma bebida alcoólica de forma educativa, inclusive para crianças, mas recebemos mais de 800 pessoas por mês interessadas em uma experiência diferente. Essa atividade representa hoje 40% do faturamento”, comenta a proprietária Elke Barreto.

Segundo ela, a proposta é conscientizar o público para o valor da cachaça, além de mostrar que é possível uma empresa funcionar com respeito à natureza. “Ainda existe muito preconceito como se fosse uma bebida de pobre e de alcoólatra, mas não é. Existem estudos científicos para comprovar. A cachaça faz parte da nossa história e da nossa cultura”, frisa.

Cachaça Magnífica já foi tema de enredo no carnaval carioca | Foto: Divulgação

Bebida nobre

No Rio de Janeiro, a produção da cachaça Magnífica faz parte da tradição da família Faria há 40 anos e mostra que a bebida ainda inspira quem gosta de Carnaval. Em 2020 foi homenageada pelo Bloco do Badalo, de Santa Tereza, com o enredo “A Magnífica cachaça do João”.

O produtor Raul de Faria, filho de João Luiz (que deu o nome à bebida), avalia que aos poucos a cachaça de alambique vem conquistando mais paladares e o lugar que merece no mercado. Para ele, o consumidor precisa saber que nem todas as cachaças são iguais.

Nesse ponto, a Portaria 539/2022 foi um avanço. As pessoas precisam saber identificar melhor a bebida que querem comprar. Na Escócia há mais de 50 anos, eles sabem a diferença de um uísque single malte que se equipara à cachaça de alambique.

Raul de Faria, produtor de cachaça

De acordo com o produtor, as bebidas consideradas mais nobres do mundo são fabricadas em alambiques, como o conhaque e dois tipos de uísque irlandês.

Não é à toa que a produção da Cachaça Magnífica já conquistou a preferência de consumidores de fora do Rio de Janeiro. Com uma produção de 100 mil litros anual, há mais de 20 anos ela foi descoberta por uma rede de restaurantes da Inglaterra e desde então foi conquistando clientes em praticamente todo o mercado europeu, além dos Estados Unidos e Singapura. O próximo país na lista de exportação é o Japão.
Ganhos da formalização

Criado pelo avô que era produtor de rapadura e cachaça em Dores do Turvo (MG), Douglas de Resende costumava brincar com os bagaços da cana de açúcar que sobravam da produção. “Eu costumo dizer que fui nascido e criado na boca da fornalha de alambique”, brinca. Aos 38 anos, ele conduz a produção da cachaça Sô Nicó, nome que homenageia seu avô com a foto no rótulo.

A bebida começou a ser produzida nos anos 1980 e o alambique chegou a ser fechado em 2019 após fiscalização do governo por falta de registro. “Meu avô era um homem da roça e nunca saiu desse mundo. Nossa produção ainda não seguia a legislação”, conta.

Depois de um ano sem produzir, o negócio se formalizou e foi conquistando prêmios nos últimos anos. Em 2024, a cachaça Premium envelhecida no carvalho foi considerada a melhor cachaça produzida pela agricultura familiar. Também foi premiada na Expo Cachaça e no mundial de Bruxelas. “Tivemos que começar do zero e mudar a fábrica de local para preservar o meio ambiente”, frisa.

Douglas ressalta que após a regularização percebeu vários ganhos para o negócio. “Melhorou nossa visibilidade e nosso poder de negociação para entrar em outros mercados. Quando não éramos registrados nem sabíamos do tamanho do potencial que tínhamos para crescer”, pontua.

Atualmente, a cachaça Sô Nicó é comercializada em todo o Brasil. “Nosso foco é manter uma produção enxuta, com alto valor agregado. Produzimos 240 litros por dia, cinco vezes por semana. No mercado da cachaça, o diferencial competitivo está na qualidade”, destaca. O alambique também está aberto para visitação.

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