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Cientistas e empreendedoras: histórias inovadoras desafiam estereótipos

Pesquisadoras e agora donas do próprio negócio, elas são inspiração no Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência
Por Redação
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Carioca, cantora e cientista. É assim que Luciana Carvalheira se define. Com 43 anos e trabalhando como pesquisadora do Instituto de Engenharia Nuclear (IEN), ela escolheu a Química na adolescência e não largou mais. Mas foi durante o doutorado, quando foi convidada a trabalhar em uma startup, que Luciana tomou gosto também por empreender. “O empreendedorismo é libertador, você não precisa convertê-lo necessariamente em dinheiro, mas ele pode te fazer bem”, garante. “Além de me empoderar profissionalmente, o fiz como mulher. Fui entendendo o processo de ser uma mulher negra na química e no empreendedorismo.”

Luciana Carvalheira, pesquisadora do Instituto de Engenharia Nuclear (IEN)

Luciana é sócia fundadora da startup Magtech Soluções em Nanopartículas Magnéticas e consultora técnico-científica da Radíon – Inovações em Radioquímica, ambas apoiadas pelo Catalisa ICT, jornada de aceleração lançada pelo Sebrae em 2020 e que promove o ingresso de pesquisadores científicos, mestres e doutores no empreendedorismo, conectando o conhecimento científico ao mercado. Ela é uma das mulheres acompanhadas pelo Catalisa ICT, que, hoje, na etapa 3 – Desenvolver e Testar, conta com 112 pesquisadoras coordenadoras de equipe, o que corresponde a 41% dos 270 planos de inovação em andamento.

Como professora de turmas da graduação e do mestrado, Luciana Carvalheira busca inspirar jovens a seguirem em frente mesmo diante das imposições sociais. “Vejo que as estudantes são muito tímidas. Sempre falo sobre a parte técnica, mas também emocional. Se há uma mulher negra que tem potencial, eu invisto, porque sei que a barreira é maior”, assume. “Essa questão da referência é uma responsabilidade. Eu me preparei muito para estar neste lugar de cientista, mas para essa parte de entender o social eu não tinha me preparado. Estamos realizando coisas que os nossos antepassados não conseguiram. Eu encontrei muitas barreiras, mas não parei”, frisa a carioca.

No mês em que se comemora o Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência, celebrado em 11 de fevereiro, histórias como a da cientista carioca, infelizmente, ainda são exceção. Este ano, pela primeira vez na história do Brasil, uma mulher assumiu o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI): Luciana Barbosa de Oliveira Santos é engenheira eletricista, graduada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Segundo o estudo “Uma equação desequilibrada: aumentar a participação das mulheres na STEM na LAC”, publicado em 2022 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, nos campos de STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática, na sigla em inglês), apenas uma mulher consegue um emprego para cada quatro homens. Além disso, globalmente, 71% dos pesquisadores universitários são homens.

O estudo também argumenta que “os preconceitos de gênero existentes nas famílias, escolas e meios de comunicação social geram uma representação estereotipada das melhores opções educacionais masculinas e femininas e tendem a desencorajar as meninas de se especializarem em STEM. Os preconceitos persistem ao longo dos ciclos profissionais e afetam o desenvolvimento da carreira das mulheres investigadoras e profissionais que trabalham em sistemas e empresas de I&D”.

Longe dos estereótipos 

A cientista e uma das sócias da 4WBIOTECH, Lillian Maria Uchoa Dutra Fechine . Foto: arquivo pessoal.

Foram justamente os estereótipos que empurraram Lillian Maria Uchoa Dutra Fechine a mergulhar no campo da ciência e do empreendedorismo. Mas, no caso dela, optou pelo contrário do que se esperava para uma jovem criada no Ceará. “Um dos motivos de escolher a ciência foi fazer coisas que eu não via muitas mulheres fazendo. Eu brincava de Barbie, mas sendo empreendedora. Não brincava de boneca cuidando de casa ou de bebês”, relembra.

Como a maioria das mulheres no campo científico, Lilian conta que sofreu preconceito dentro da Academia. Por ser muito vaidosa, era questionada com frequência sobre sua capacidade intelectual. Mas, a exemplo de Luciana, Lilian também se formou em Química e seguiu um caminho dentro da universidade federal do estado. Com apenas 24 anos, ela já estava na Alemanha para cursar seu doutorado, cuja tese final defendeu grávida da sua filha, já no Brasil.

Com o tempo, Lilian decidiu buscar novos ares. “A ciência pura e aplicada também não era o ideal para mim. Então, fiquei muito interessada quando surgiram as startups. Comecei a estudar como autodidata. Não se ouve muito falar sobre empreendedorismo na Academia, principalmente em cursos como Química e Matemática”, rememora.

Atualmente, a pesquisadora de 34 anos é uma das sócias da 4WBIOTECH que, como a sigla insinua, é formada apenas por mulheres (4 Women). A startup fabrica dermofitocosméticos de camuflagem multifuncional, ou seja, cosméticos com a função não só de beleza, mas voltados também para o tratamento de doenças. Recém-lançado no catálogo da empresa, o batom líquido multifuncional hiper pigmentado, por exemplo, combate os efeitos na pele causados pelo herpes e, ao mesmo tempo, tem cores atrativas. Em novembro de 2022, Lilian Uchôa também participou da capacitação on-line de mulheres em carreiras STEM promovida pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI) para 4 países.

As irmãs Isabela e Mariá Amorim cursaram zootecnia e fizeram carreira dentro do meio acadêmico

Irmãs cientistas

O machismo é ainda mais acentuado em setores costumeiramente ocupados por homens, como o agronegócio. Para as irmãs Isabela e Mariá Amorim foi um desafio que enfrentaram juntas. As duas cursaram zootecnia e fizeram carreira dentro do meio acadêmico. “No meu doutorado, na área agropecuária, eu era a única mulher entre 15 homens. Passei em primeiro, mas ouvia dizer que meu o coordenador só me aceitou por ser mulher. Você é subjugada. Como professora, eu era testada o tempo todo por homens. Tive amigas que desistiram no mestrado e no doutorado”, desabafa Isabela, de 34 anos. “Faço terapia desde a graduação. Terapia e atividade física. Disso nunca abri mão.”

Apesar dos percalços, as duas prosseguiram. Criadas no interior do Espírito Santo e filhas de um agricultor e uma professora de matemática e ciências, a pesquisa sempre esteve na vida das irmãs, durante toda a faculdade. Depois de completarem a graduação, mudarem-se para o Rio de Janeiro e ingressaram na Universidade Estadual do Norte Fluminense. Ambas investiram em pesquisas que, mais tarde, transformaram-se em uma ideia de negócio inovadora.

Foi somente com a participação no Catalisa ICT que a chave virou. “Foi um divisor de águas. Fizemos todas as etapas da iniciativa – começamos com três pessoas e agora somos sete. A primeira fase foi em 2021. Das mais de 1.000 propostas, passamos em 50º lugar”, conta Isabela. “Costumo dizer que a Seed foi a minha dissertação de mestrado e, da minha irmã, de pós-doutorado”, brinca.

A startup Seed4Seed desenvolveu um aplicativo que pode gerar uma análise totalmente automatizada de uma semente, garantindo seu controle de qualidade e indicando sua rastreabilidade, do produtor até o campo. Antes um trabalho manual, que levaria dias, agora já está ao alcance de qualquer pessoa, via celular e com resultado em minutos.

Durante a participação no Catalisa ICT, as sócias perceberam que o modelo de negócio inicialmente proposto não era o mais adequado, pois previa a ida da startup até o cliente. “Ainda estamos na etapa de conversas com parceiros e possíveis clientes, mas percebermos que um plano de assinatura funcionaria melhor. Foi um passo atrás muito valioso”, analisa Isabela.

Síndrome de impostora

“Atravessar essa ponte da Academia para o mundo dos negócios é muito difícil. É todo dia ter de trabalhar essa mentalidade”, complementa Mariá, de 36 anos. Segundo ela, a experiência ficou ainda mais complicada depois da maternidade. Assim como Lilian, de Fortaleza (CE), ela defendeu sua tese de doutorado no fim da gestação e iniciou no empreendedorismo com o filho ainda pequeno. “Todo dia, a gente potencializa a síndrome da impostora. Sinto-me uma equilibrista.”

Mariá conta, inclusive, que em um evento da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei) precisou levar o filho pequeno a tiracolo. “Participei de rodadas de negócios e várias pessoas vieram falar comigo. Tenho certeza de que muitas mães deixaram de ir porque não tinham com quem deixar seus filhos”, lamenta. E emenda: “não adianta falar que apoia o empreendedorismo feminino ou a mulher na ciência se não enxerga o todo. Participei de várias mentorias com o meu filho no colo”.

As dificuldades enfrentadas por mulheres dentro do mercado de trabalho são levadas a sério pela Seed4Seed. As irmãs relatam que tentam contratar pesquisadoras, mas que, muitas vezes, por receio de perderem o posto para os homens, as mulheres nem chegam a concorrer. “Estamos sendo travadas pelo mercado. Já abrimos vagas que não tiveram uma candidata mulher. Agora, combinamos de abrir somente vagas afirmativas, para mulheres”, sinaliza Isabela.

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