Não existe uma receita pronta para identificar e explorar a transversalidade das Indicações Geográficas (IGs), mas algumas combinações são infalíveis. O reconhecimento do saber-fazer de um povo – registrando um ofício e seu produto, como no caso dos artesanatos – e o turismo, por exemplo, são ingredientes-chave que ampliam a potência transformadora de uma IG sobre a comunidade e a economia de uma região. Turismo e artesanato foram tema de dois painéis do primeiro dia do V Evento Internacional de Indicações Geográficas e Marcas Coletivas – Origens Brasileiras, realizado pelo Sebrae em Curitiba (PR).
“A indicação geográfica, por trazer muito forte o sentido de territorialidade, reputação e qualidade, impacta na atividade turística de uma região e movimenta economia no campo e cidade. É habitual vermos pessoas atraídas para visitar um determinado local, por causa de um produto”, exemplificou Maria Isabel Rosa Guimarães, coordenadora estadual de agronegócios do Sebrae/PR.
“O turismo precisa ser o ‘pano de fundo’ para que a cadeia produtiva dos produtos com IG possa ser mais sustentável”, defendeu Alan Calman, do Sebrae/SC, durante a oficina sobre o impacto que os produtos com IG causam nos territórios. Calman apresentou o projeto Origens Santa Catarina, responsável pela construção dos processos de Indicação Geográfica nos produtos catarinenses, como a banana de Corupá, a cachaça de Luiz Alves, o milho crioulo de Anchieta, entre outros.
A história comprova
O maior exemplo de como a indicação geográfica impacta uma localidade é a primeira IG do Brasil, a do Vale dos Vinhedos, concedida em 2002. Naquele ano, o volume de turistas na região era de 60 mil. Em 2019, quase duas décadas depois, aproximadamente 443 mil visitantes tiveram a Serra Gaúcha como destino. Outro exemplo do mesmo estado é Pelotas: a Indicação de Procedência que abarca 14 doces icônicos da cidade gaúcha foi o início de uma história de reconhecimento das doceiras da cidade. Hoje, além da chancela de Indicação Geográfica, os doces de Pelotas são reconhecidos como Patrimônio Cultural do Rio Grande do Sul e Patrimônio Imaterial do Brasil. A cidade inaugurou a Rua do Doce, atrativo turístico que valoriza também o entorno e o patrimônio material dos casarões da cidade.
Se um doce é fruto de precisão, um embutido suíno também é. Foi o que apresentou Leandro Carnieli, produtor das indicações e procedência de Nova Venda do Imigrante, no Espírito Santo. Carnieli é produtor de “socol”, um embutido feito com carne de pescoço suíno, corte que era pouco valorizado. Ele destacou a importância de constituir uma governança dentro de um território. “Porque quando você tem uma região instituída, um território e uma governança, você não tem concorrente, você tem um parceiro”, resumiu. Com a IG, o turismo rural virou exemplo e hoje Venda Nova do Imigrante ostenta o título de “Capital Nacional do Agroturismo”.
Artesanato e rotas turísticas
Exemplos de produtos que são resultado do saber-fazer de um povo são o que não faltam no Brasil: atualmente, há 12 indicações geográficas de artesanatos no país, mas o potencial é infinito. A artesã Petrucia Lopes, vice-presidente do Instituto do Bordado Filé da Região das Lagoas Mundaú Manguaba (Inbordal), de Alagoas, mostrou como o reconhecimento do bordado com o selo de indicação geográfica induziu a associação e órgãos a pensarem em como contar a história do bordado filé e destacar sua importância para o estado.
Chegaram a três rotas turísticas, integrando hotéis, restaurantes, comércios e outros serviços da região. “Queremos aumentar a visibilidade do bordado filé enquanto ícone alagoano, inclusive internacionalmente. Estamos em contato com associações da França e de Portugal, que também têm tradição histórica nesse ofício, e queremos promover um intercâmbio cultural”, disse Petrucia durante o painel Potencial das IGs de artesanato.
Antoine Ginestet, representante do INPI da França, deu exemplos de como o artesanato pode alavancar a economia da região, mesmo sem o turismo atrelado. Ele apresentou as etapas de registro atualizadas no país, em que um processo de 20 meses agora dura de 8 a 12 meses. É feito totalmente on-line e custa o equivalente a R$ 1.500.
Da parte de artesanato com indicação geográfica, Ginestet apresentou os cases das cadeiras de Liffol, a porcelana de Limoges, calcário de Borgonha, as jóias de Grenat de Perpignan, tapeçarias de Aubusson, o linho basco, a cerâmica da Alsácia e as facas de Laguiole. Em todos os casos, houve um aumento expressivo em receita financeira, ampliação de mercado e fluxo turístico. “No caso da porcelana de Limoges, para receber o selo era preciso queimar a porcelana e decorá-la na região. Isso fez com que duas empresas mudassem suas fábricas para Limoges”, destacou. Essa mudança gerou gerou 150 novos postos de trabalho na localidade. Atualmente, são 27 empresas com 850 pessoas diretamente envolvidas na produção.
Para Rafaela Takassaki, presidente da associação dos produtores de balas de banana de Antonina, é preciso procurar pela “virada de chave” na maneira de pensar e agir da associação gestora do selo de IG. “Foi quando percebemos que a bala de banana não é só um doce”, revelou. “Ajudamos a contar histórias e a construir memórias afetivas. E hoje, desenvolvemos nossos produtos pensando nisso”, revelou.
Assim, começaram a testar visitas guiadas à fábrica – onde o turista passa pela experiência de produzir do início ao fim as balas de banana, – e replicaram em escolas da região os conceitos de indicação geográfica, apresentando como os habitantes estão inseridos nessa cadeia, direta ou indiretamente. Passaram também a munir as lojas de souvenires com o que os turistas gostariam de levar para casa: mais que um pacote de balas, uma série de produtos com estampas e frases que remetem ao doce paranaense. São ecobags, copos, canecas, camisetas, e produtos com bala de banana, como cerveja.