Para muitas mulheres, o empreendedorismo tem sido o ponto de virada transformador em suas vidas. Ao começar um pequeno negócio, elas não apenas garantem o sustento da família, mas redescobrem sua força, conquistam autonomia e dão um novo significado às próprias trajetórias, mostrando que empreender também é um ato de liberdade e recomeço.
“Empreender é um portal para a liberdade. Eu costumo dizer que financeiramente é a única forma de você romper ciclos da escravidão moderna e ajudar outras pessoas a se libertarem também e realizar sonhos”, afirma a empresária baiana Anna Telles.
Com uma marca própria para cabelos crespos e cacheados, ela relembra que o empreendedorismo entrou na sua vida por sobrevivência. De uma realidade de extrema pobreza, ela chegou a morar na rua, ainda na adolescência, para fugir de um lar desestruturado.
Eu fiquei morando dois anos nas ruas, mas como eu havia aprendido a fazer tranças com a minha vizinha, isso me ajudou a não cair no mundo da prostituição e drogas. Eu fazia tranças em troca de comida e por algumas outras coisas.
Anna Telles, empresária
Com o dinheiro das tranças, ela consegue alugar uma casa e com ajuda do marido, entendeu que era empreendedora sem saber. “Foi quando me lancei no Facebook para mostrar meu trabalho e fiquei conhecida no meu bairro e região”, conta.
Inicialmente, Anna teve um salão de beleza, mas depois de anos de experiência, percebeu que poderia criar produtos para a manutenção dos cabelos das clientes. “Há seis anos eu aposentei minha mãe e cuidei do meu pai até o último dia de vida dele. Com os meus irmãos, eu fomentei neles a vontade de empreender”, orgulha-se. Além de mudar a vida da própria família, a empresária realiza projetos sociais para ajudar outras pessoas a prosperar pelo empreendedorismo.

A gerente de Empreendedorismo Feminino, Diversidade e Inclusão do Sebrae Nacional, Georgia Nunes, ressalta que o empreendedorismo vai além da geração de renda. “É uma ferramenta poderosa para o empoderamento, a inclusão produtiva e a redução das desigualdades de gênero. É um pilar fundamental para a conquista da autonomia financeira das mulheres, reconhecendo seu papel vital na economia e na transformação social”, enfatiza.
Dados recentes do Sebrae evidenciam a crescente participação feminina no cenário empreendedor brasileiro. No quarto trimestre de 2023, as mulheres representavam 33,9% dos empregadores ou trabalhadoras por conta própria no país, totalizando 10,1 milhões de empreendedoras. Desse total, aproximadamente 88% atuam como trabalhadoras por conta própria, o que reforça a busca individual por oportunidades e flexibilidade.
“Quando as mulheres assumem o protagonismo de seus negócios, elas não apenas geram renda e impulsionam a economia, mas também desafiam estereótipos, fortalecem sua voz e redefinem seu papel na sociedade”, afirma Georgia Nunes.
Vai com medo mesmo
No final de 2018, sem renda alguma e lugar para morar com a família, após sair da casa de uma tia, a microempreendedora individual Inês Santos começou a produzir bolo no pote encorajada por uma amiga.
Moradora da Comunidade do Morro dos Macacos no Rio de Janeiro, ela encontrou apoio na ONG Anjos da Tia Stellinha para desenvolver suas habilidades na confeitaria. A organização desenvolve projetos a partir da visão sistêmica de inclusão produtiva para mães moradoras de favelas da cidade. A primeira encomenda de um bolo mais elaborado foi para o aniversário de uma amiga.
Eu falei para ela que eu não tinha condições de fazer, mas ela insistiu e comprou todos os ingredientes. Eu fiz na cara e na coragem. No final, todo mundo amou e começaram a vir mais pedidos.
Inês Santos, empreendedora
Depois dessa injeção de ânimo, Inês começou a fazer vários cursos na área. “Consegui pagar o meu próprio curso profissionalizante. Chorei demais na formatura e na volta para casa, dentro do ônibus, uma mulher perguntou se eu estava passando bem. Eu disse que era de felicidade”, orgulha-se.
Sem apoio do marido e com dois filhos para criar, a história dela inspira outras mulheres a superar as dificuldades dentro da ONG, onde dá treinamentos. Hoje em dia, já separada, a empreendedora conseguiu abrir uma pequena loja na comunidade junto com a irmã que é responsável pelos salgados. A produção é toda feita no local.
“A confeitaria me salvou. Mudou tudo. Na época, estava em um quadro de depressão muito séria. Sempre tive em mente que eu não gostaria de trabalhar para os outros porque eu queria estar mais próxima dos meus filhos, algo que não foi possível com os meus pais”, reflete.

Em busca de um futuro melhor
Bolo caseiro, docinhos, sobremesas, empadão, salgadinhos. Com uma variedade de produtos e atendimento domiciliar de marmitas congeladas, a ex-manicure Viviana Flôr foi obrigada a se reinventar durante a pandemia. Primeiramente fez cursos on-line e depois conseguiu se aperfeiçoar com treinamentos presenciais de culinária. Desde 2022, começou a venda que complementa a renda da casa e ajuda o marido com as contas. Por outro lado, ele ajuda nas entregas.
Como mãe atípica, trabalhar em casa tem sido fundamental para conseguir cuidar do filho autista e da filha de apenas 5 anos. É durante a madrugada que ela tem mais tempo para preparar as encomendas. “Eu mesma aprendi a fazer minha logo, mandei fazer meus cartões de visita e criei um perfil no Instagram – Delícias da Flôr – para postar meus produtos. Aos poucos minhas ex-clientes da unha começaram a fazer pedidos”, comentou.
A empreendedora também é moradora da do Morro dos Macacos no Rio de Janeiro e convive diariamente com a realidade do tráfico na porta de casa. “Se eu não estive empreendendo, com certeza estaria em depressão. Já vivemos tempos de guerra aqui na comunidade que impactaram as minhas vendas e aos poucos estou resgatando alguns clientes”, compartilhou.
Mesmo com as dificuldades, Viviana sonha em expandir o pequeno negócio. Ela diz que gostaria que sua comunidade valorizasse mais o seu trabalho. “Infelizmente não é o meu vizinho que compra. São pessoas de fora”, lamentou. A empreendedora ainda encontra o tempo para se capacitar e já fez alguns cursos gratuitos do Sebrae. Neste mês já se inscreveu para o de Finanças Pessoais. “Estou sempre estudando para implementar algo e melhorar o meu negócio. É uma coisa que eu gosto, faço com muito carinho. Às vezes não acredito que foi eu que fiz”, relatou.
Compre do Pequeno
No dia 5 de outubro, foi celebrado o Dia Nacional da Micro e Pequena Empresa. Em comemoração à data, o Sebrae está promovendo, ao longo de todo o mês, a campanha Compre do Pequeno, para valorizar o papel que esses empreendedores, que representam 97% das empresas do país, desempenham nas vidas das pessoas e de suas localidades. Ao decidir comprar em um pequeno negócio, o consumidor contribui para colocar o dinheiro em circulação dentro de própria comunidade, gerar mais empregos e desenvolver a economia local.