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Resíduos do açaí viram “café”, carvão e fertilizante e movimentam negócios sustentáveis na Amazônia

Empreendedores do Amapá enxergaram no descarte do caroço do açaí a possibilidade de gerar renda e cuidar do meio ambiente
Por Redação
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Seja salgado, acompanhado de peixe frito com arroz e feijão, seja doce, com granola, leite condensado e os mais variados “toppings”, o açaí já ganhou espaço na alimentação dos brasileiros. O fruto de coloração roxa é consumido de diferentes formas a depender da região, mas é da Amazônia que vem a maior parte da produção do país.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil é o maior produtor de açaí do mundo, com 1,6 milhões de toneladas ao ano. O que pouca gente sabe é que apenas 30% do fruto é destinado ao consumo do açaí – os outros 70% são o caroço fibroso, até então sem utilidade comercial e com destinação incerta na natureza, tornando-se um problema ambiental.

Empreendedores viram no descarte de toneladas de resíduos de açaí a possibilidade de gerar renda e, ao mesmo tempo, cuidar do meio ambiente. Foi a partir dessa ideia que um problema ambiental virou uma solução sustentável nas mãos de Valda Gonçalves. No estado do Amapá, terceiro maior produtor de açaí do país, ela criou a Engenho Café de Açaí, uma empresa que elaborou uma bebida inovadora, feita à base do caroço do fruto.

O “café” que vem do açaí

A solução proposta por Valda surgiu a partir de uma inquietação com resíduos gerados pela despolpadeira de açaí que ela própria montou. O que fazer com a montanha de caroços descartados após a extração da polpa? Assim surgiu a bebida, feita a partir do grão torrado e moído do fruto. Ela é preparada como o café, de maneira coada, mas no consumo mais parece um chá “energizante”, segundo o paladar da própria empreendedora. “Me sinto privilegiada em pegar algo que era resíduo e transformar em um produto tão gigantesco. Hoje levamos uma bebida saudável, sem cafeína e cheia de propriedades energizantes para a mesa do consumidor — e ainda beneficiamos a natureza”, disse Valda.

Com o apoio do Sebrae, a ideia foi ganhando corpo e se transformou em um modelo de negócio de impacto ambiental e social. A empresa desenvolve o “café” de açaí em pó, blends com café tradicional e cápsulas para máquinas, além de reaproveitar os resíduos do próprio processo para fabricar copos ecológicos. A fábrica produz 12 toneladas de “café” de açaí por mês, que atende a comunidade local e a exportação para os Estados Unidos.

Para gerar essa quantidade, são necessárias 17 toneladas de caroço de açaí. O negócio, além de lucrativo, impulsiona uma cadeia produtiva que envolve 1 mil famílias amapaenses cooperadas, que fornecem o resíduo com certificação ambiental. “O Sebrae foi meu caminho asfaltado, nos ajudou a desenvolver embalagem, design e a expandir contatos. Passo a passo, fomos crescendo e hoje temos um produto novo no mercado, com potencial de venda no Brasil e fora dele”, contou, animada, a empreendedora.

“Café” de açaí em pó, blends com café tradicional e cápsulas para máquinas. Foto: Divulgação/Arquivo Pessoal

Açaí para fazer churrasco?

A Carvão de Açaí nasceu da inquietação em torno dos impactos ambientais do carvão vegetal tradicional. Inspirado no legado de seu pai e com espírito empreendedor, Alex Pascoal transformou resíduos do açaí em uma solução ecológica para churrasqueiras e lareiras: um carvão sustentável, que dispensa o uso de madeira e tem alta performance energética.

A empresa utiliza até 50 toneladas de caroço de açaí para produzir entre cinco a seis toneladas por mês de carvão ecológico. O produto tem baixa emissão de fumaça e maior durabilidade — de 5 a 7 horas aceso —, o que é um atrativo para churrascarias e para uso doméstico. “Nossa proposta é clara: produzir um carvão melhor que o vegetal, sem desmatamento e sem poluir. Hoje, não usamos madeira, e o forno ecológico evita a emissão de gases. É inovação com consciência ambiental”, explicou Alex.

Em 2024, a Carvão de Açaí conquistou o 3º lugar no Inova Amazônia de 2024, programa do Sebrae que fomenta, apoia e desenvolve pequenos negócios alinhados à bioeconomia. Além do caroço do açaí, a empresa também utiliza o pó de carvão, resíduo oriundo de outros processos, na produção do carvão ecológico.

“Lá atrás, deixávamos o pó de carvão jogado nos terrenos. Hoje, esse mesmo resíduo virou um negócio sustentável, lucrativo e exportável. Estamos mudando a forma de fazer carvão na Amazônia”, conclui o empreendedor. A operação tem custo reduzido e parcerias com produtores locais, e o produto já é exportado para a Guiana Francesa. Alex agora quer expandir o negócio e usar a casca de coco como uma nova matéria-prima para produzir carvão.

Fertilizante natural, chamado de biochar, é feito com resíduos do açaí. Foto: Arquivo Pessoal/Divulgação

O açaí que vira adubo

A Amazon BioFert surgiu da experiência direta com os altos custos da agricultura e da vontade de encontrar uma solução local, sustentável e eficiente para o solo amazônico. Com sede no Amapá, os engenheiros agrônomos Wesley Resplande e Thyago Monteiro transformam caroços de açaí em biochar — um fertilizante natural que melhora a estrutura do solo, retém nutrientes e ainda sequestra carbono da atmosfera.

“O caroço de açaí era um passivo ambiental visível em cada esquina. Transformamos esse problema em um ativo de alto valor agregado, com potencial para mudar a forma como produzimos, cuidamos do solo e enfrentamos as mudanças climáticas”, contou Thyago.

Fertilizante natural, chamado de biochar, é feito com resíduos do açaí. Foto: Arquivo Pessoal/Divulgação

A cada tonelada de caroço de açaí, são gerados 250 kg de biochar. Desde 2022, mais de 150 toneladas de resíduos do fruto foram reaproveitadas. A empresa é responsável pela produção de 93 toneladas mensais do produto. Cada quilo de biochar consegue retirar até cinco quilos de CO₂ da atmosfera, segundo os engenheiros. Com parcerias com Sebrae, Embrapa e Senai, o negócio planeja abrir uma nova unidade no Pará até 2026.

“O biochar é uma revolução silenciosa. Além de fertilizar o solo, ele regenera áreas improdutivas, retém água, melhora o pH e ainda permite ao agricultor vender créditos de carbono. É a agricultura do futuro nascendo da Amazônia”, disse o empreendedor.

A cada tonelada de caroço de açaí, são gerados 250 kg de biochar. Foto: Arquivo Pessoal/Divulgação

Potenciais e descarte inadequado

Pesquisa realizada por universidades do Amapá em parceria com a Embrapa em 2019 mostrou que o caroço de açaí tem alto potencial para uso na produção de adubo orgânico, por ser rico em carbono e de lenta decomposição. Apesar disso, a maior parte desse resíduo ainda é descartada de forma inadequada. Entrevistas realizadas com 212 batedeiras de açaí nos municípios de Macapá e Santana apontaram que cerca de 24 toneladas de caroços são descartadas por dia.

Desse total, quase metade vai para olarias, enquanto o restante é jogado em lixões, terrenos baldios, lagos e ressacas. Apenas uma pequena parte, cerca de duas toneladas, é reaproveitada como adubo. E em torno de quatro toneladas têm destino desconhecido. O levantamento também mostra que a maioria das batedeiras (65%) paga para os caroços serem recolhidos. Já um quarto, simplesmente joga fora, e só uma minoria doa ou deixa para coleta informal.

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